Laranjas Mecânicas – aventuras dos taxistas de Curitiba

segunda-feira, 5 de agosto de 2013


Carros laranja em ruas cheias de som e fúria. Hora do rush de trânsito fechado por automóveis, motos, ônibus e pessoas. Em certos momentos, Curitiba já é uma espécie de “mini São Paulo”, de circulação coagulada, raiva e tédio. Os taxistas, por certo, estão sujeitos a todos esses fatores. Alguns são educados, outros secos, ríspidos, simpáticos. Outros, ainda, têm muitas histórias para contar, nascidas de uma vida profissional caracterizada, essencialmente, pelo contato com outras pessoas.
Fato é que, com as idas e vindas de passageiros, os taxistas aprendem muito sobre a condição humana. Como normalmente estabelecem relações rápidas e sem compromisso, acabam se transformando em confidentes, “psicólogos” e “advogados” de muitos de seus clientes. Em suas andanças pela cidade, acumulam histórias incríveis, que se revelam em boas conversas. De fantasmas, situações e passageiros estranhos ou perigosos. Nesta matéria, selecionamos personagens desse ao mesmo tempo prosaico e extraordinário meio. Com os leitores, os taxistas e suas histórias!

Um estranho passageiro - Nossa primeira inusitada história de taxista nasce em um ponto na Praça Tiradentes, onde encontramos Edivaldo dos Santos Padilha, profissional do volante há 22 anos. Segundo ele, a corrida inesquecível aconteceu há cerca de quinze anos, quando precisou transportar... um morto!
Seu “causo” não traz fantasmas ou ectoplasma, apenas uma situação que poderia ser vivenciada por qualquer taxista, mas que nem todos encarariam. Ele foi procurado por um casal do interior, cujo filho havia falecido havia pouco. Como não tinham dinheiro para contratar o serviço de transporte de uma funerária, resolveram apelar aos motoristas de praça. Edivaldo foi contatado e, depois de acertar o preço, levou a família para casa. O corpo do filho, devidamente preparado para o velório, foi colocado no banco de trás. A não ser pela tristeza dentro do carro, a viagem transcorreu sem problemas. Pensado bem, nem poderia ser diferente. Ao amanhecer, chegou à cidade e, depois de receber o pagamento, retornou a Curitiba. “Não tive medo, de forma alguma. E, ao voltar, estava sentindo um sentimento de dever cumprido”, comenta.

Cabelos curtos e liberdade - Ketley Souza Lima, 29, é uma mulher de jeito frágil. Taxista há um ano, trabalha de madrugada. Para se proteger, adotou certas medidas: trocou o corte Chanel por algo mais simples - "com os cabelos curtos, sou menos assediada" -, abandonou os decotes e se veste do jeito mais “invisível” possível.
A ideia de ser taxista nasceu por acaso. Como gostava de fazer cursos, decidiu fazer o Táxi-Tur, programa de capacitação oferecido pela Urbs. Ao saber do salário dos profissionais do volante, se interessou. Assim que terminou o curso, foi chamada pelo Rádio Táxi Sereia. "É uma das centrais que mais admitem mulheres" explica. Como o único horário disponível era o noturno, decidiu encarar, mas com cuidados: Ketley não pega pessoas que julgue suspeitas e não faz corridas para certos bairros. E, pelo menos até agora, não foi assaltada.
Sua história mais inusitada aconteceu no último Natal, quando atendeu uma mulher e o filho de cinco anos, que estavam atrás do marido/pai fujão, procurado nos bares do centro da cidade. “A passageira se sentiu muito à vontade, talvez por eu ser mulher”, analisa. O marido fujão, é claro, não foi encontrado, mas não deve ter tido um réveillon dos mais tranquilos...

Quatro décadas de muitas histórias - Floriano Vaz trabalha como taxista em Curitiba desde 1973. Em quase quatro décadas de profissão, ele já viu praticamente de tudo, inclusive em termos de tecnologia automotiva. O táxi, este é novo: um Chevrolet Meriva com um belo sistema de ar condicionado, para garantir qualidade de vida nos meses mais quentes do ano. Ele, no entanto, começou dirigindo um Fusca 71. Naquela época, recorda, o trânsito era muito mais tranquilo. Tanto, que não se ouvia falar em assaltos a taxistas, ocorrências comuns hoje em dia. E que, muitas vezes, envolvem uma dose elevada de crueldade por parte dos bandidos. “Até 2005, nunca tinha sofrido um assalto. Naquele ano, porém, foram três, e eu pensei seriamente em largar a profissão”, comenta.
Mesmo antes desses assaltos, porém, seus dias de trabalho, vez por outra, eram bem movimentados. Como em 1985, quando atendeu uma chamada no Parolin, de um rapaz que havia sido esfaqueado e precisava ser levado ao pronto-socorro. Ou, então, do caso envolvendo uma mulher que queria porque queria saber onde o noivo ia quando não estava com ela. O fato é que, certo dia, o noivo contou que ia a um lugar – e ela pegou o táxi para confirmar o endereço. O “dito cujo”, é claro, não estava no endereço informado, mas na casa de um amigo na maior esbórnia.
Por estes dias, Floriano Vaz quer mais, mesmo, é trabalhar sossegado, sem se arriscar nem viver aventuras muito extravagantes. As corridas são escolhidas a dedo, para evitar sustos. “Não quero ficar passando por apuros”, sintetiza, demonstrando, com essas palavras, a que ponto chegou a situação da segurança em nosso país.

O caso do cadeirante assaltante e de seu assistente indígena - A história parece mentira, mas seu protagonista garante que a viveu sem tirar nem acrescentar nenhum detalhe. Odilino Messias da Silva, taxista há trinta anos, foi assaltado por um cadeirante – que tinha como comparsa um índio. Nada, evidentemente, contra a capacidade que essas pessoas têm de fazer qualquer coisa (para o bem e, infelizmente, também para o mal), mas a configuração não deixa de ser curiosa.

A história aconteceu há dezoito anos. Tudo começou com um chamado para uma corrida saindo da Praça Dezenove de Dezembro, no Centro de Curitiba. A proposta era de ir para Almirante Tamandaré, município da Região Metropolitana. Os clientes eram pessoas acima de qualquer suspeita: um jovem cadeirante e seu acompanhante, ambos bem vestidos e educados.
A corrida ia bem até que o grupo chegou ao Terminal do Cachoeira, em Almirante Tamandaré, quando os passageiros deram voz de assalto. “O cadeirante encostou um revólver na minha cabeça e disse que queria o dinheiro e o carro”, conta. “O outro me segurou pelo pescoço e disse que era para o comparsa atirar.” Em meio à “muvuca”, Odilino conseguiu se livrar e correu de costas (ou seja, de frente para o carro) para não tomar bala à traição. Chegou a um módulo policial e noticiou o assalto.
Os bandidos, trapalhões, não conseguiam ligar o carro. “Tentavam engatar a marcha, mas não tinha jeito”, explica o taxista. Frustrados, saíram correndo e se esconderam em um terreno baldio, onde foram localizados e presos. Aliás, presos, em termos: o cadeirante era menor de idade e seu acompanhante tinha a proteção da Funai. Ficaram três dias “em cana” e foram liberados. Fim da história – de uma curiosa história de taxista.

A saga de um taxista e de um bebê que não era seu - “Carlinhos” é taxista de um ponto na Cruz Machado, a rua “mais quente” do Centro de Curitiba. Há coisa de um ano, ele recebeu o chamado de uma mãe e seu bebê. A corrida tinha como destino Almirante Tamandaré. Eles chegaram lá e, discretamente, ela “esqueceu” o bebê no banco de trás. Alertada, observou, apenas e tão somente, que não tinha como criá-lo - e deu no pé.
Com o bebê no táxi, Carlinhos foi à delegacia de polícia; os policiais disseram que não tinham como ficar com o bebê, e o aconselharam a levar a criança para uma unidade de saúde 24 horas no Sítio Cercado, onde ela foi acolhida. A última notícia é de que ainda estava lá – a mãe, pelo jeito, ainda não tem condições de mantê-lo...
Voltando ao ponto da Cruz Machado, o taxista fala de sua rotina junto às boates mais movimentadas da cidade. É esse movimento, aliás, que o fez trabalhar lá. “Eu gosto dessa agitação”, confidencia. Sobre os eventuais riscos associados ao lugar, diz não ter medo. “Estou em casa. Trabalho aqui há muitos anos e conheço todo mundo.”
O segredo do sucesso na região é respeitar as diferenças. Qualquer tipo de preconceito, afinal, pode induzir a erros de julgamento. Questionado sobre cantadas, ele diz que as recebe constantemente. “São pessoas de todos os sexos que não têm dinheiro ou não querem pagar pela corrida e propõem um ‘acerto’.” Lógica simples - de um serviço pelo outro.



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