Carros laranja em ruas cheias de som e fúria. Hora do rush de
trânsito fechado por automóveis, motos, ônibus e pessoas. Em certos momentos,
Curitiba já é uma espécie de “mini São Paulo”, de circulação coagulada, raiva e
tédio. Os taxistas, por certo, estão sujeitos a todos esses fatores. Alguns são
educados, outros secos, ríspidos, simpáticos. Outros, ainda, têm muitas
histórias para contar, nascidas de uma vida profissional caracterizada,
essencialmente, pelo contato com outras pessoas.
Fato é que, com as idas e vindas de passageiros, os taxistas
aprendem muito sobre a condição humana. Como normalmente estabelecem relações
rápidas e sem compromisso, acabam se transformando em confidentes, “psicólogos”
e “advogados” de muitos de seus clientes. Em suas andanças pela cidade,
acumulam histórias incríveis, que se revelam em boas conversas. De fantasmas,
situações e passageiros estranhos ou perigosos. Nesta matéria, selecionamos
personagens desse ao mesmo tempo prosaico e extraordinário meio. Com os
leitores, os taxistas e suas histórias!
Um estranho passageiro - Nossa primeira inusitada história de taxista nasce em um ponto
na Praça Tiradentes, onde encontramos Edivaldo dos Santos Padilha, profissional
do volante há 22 anos. Segundo ele, a corrida inesquecível aconteceu há cerca
de quinze anos, quando precisou transportar... um morto!
Seu “causo” não traz fantasmas ou ectoplasma, apenas uma situação
que poderia ser vivenciada por qualquer taxista, mas que nem todos encarariam.
Ele foi procurado por um casal do interior, cujo filho havia falecido havia
pouco. Como não tinham dinheiro para contratar o serviço de transporte de uma
funerária, resolveram apelar aos motoristas de praça. Edivaldo foi contatado e,
depois de acertar o preço, levou a família para casa. O corpo do filho,
devidamente preparado para o velório, foi colocado no banco de trás. A não ser
pela tristeza dentro do carro, a viagem transcorreu sem problemas. Pensado bem,
nem poderia ser diferente. Ao amanhecer, chegou à cidade e, depois de receber o
pagamento, retornou a Curitiba. “Não tive medo, de forma alguma. E, ao voltar,
estava sentindo um sentimento de dever cumprido”, comenta.
Cabelos curtos e liberdade - Ketley Souza Lima, 29, é uma mulher de jeito frágil. Taxista há um
ano, trabalha de madrugada. Para se proteger, adotou certas medidas: trocou o
corte Chanel por algo mais simples - "com os cabelos curtos, sou menos
assediada" -, abandonou os decotes e se veste do jeito mais “invisível”
possível.
A ideia de ser taxista nasceu por acaso. Como gostava de fazer
cursos, decidiu fazer o Táxi-Tur, programa de capacitação oferecido pela Urbs.
Ao saber do salário dos profissionais do volante, se interessou. Assim que
terminou o curso, foi chamada pelo Rádio Táxi Sereia. "É uma das centrais
que mais admitem mulheres" explica. Como o único horário disponível era o
noturno, decidiu encarar, mas com cuidados: Ketley não pega pessoas que julgue
suspeitas e não faz corridas para certos bairros. E, pelo menos até agora, não
foi assaltada.
Sua história mais inusitada aconteceu no último Natal, quando
atendeu uma mulher e o filho de cinco anos, que estavam atrás do marido/pai
fujão, procurado nos bares do centro da cidade. “A passageira se sentiu muito à
vontade, talvez por eu ser mulher”, analisa. O marido fujão, é claro, não foi
encontrado, mas não deve ter tido um réveillon dos mais tranquilos...
Quatro décadas de muitas histórias - Floriano Vaz trabalha como taxista em
Curitiba desde 1973. Em quase quatro décadas de profissão, ele já viu
praticamente de tudo, inclusive em termos de tecnologia automotiva. O táxi,
este é novo: um Chevrolet Meriva com um belo sistema de ar condicionado, para
garantir qualidade de vida nos meses mais quentes do ano. Ele, no entanto,
começou dirigindo um Fusca 71. Naquela época, recorda, o trânsito era muito
mais tranquilo. Tanto, que não se ouvia falar em assaltos a taxistas,
ocorrências comuns hoje em dia. E que, muitas vezes, envolvem uma dose elevada
de crueldade por parte dos bandidos. “Até 2005, nunca tinha sofrido um assalto.
Naquele ano, porém, foram três, e eu pensei seriamente em largar a profissão”,
comenta.
Mesmo antes desses assaltos, porém, seus dias de trabalho, vez por
outra, eram bem movimentados. Como em 1985, quando atendeu uma chamada no
Parolin, de um rapaz que havia sido esfaqueado e precisava ser levado ao
pronto-socorro. Ou, então, do caso envolvendo uma mulher que queria porque queria
saber onde o noivo ia quando não estava com ela. O fato é que, certo dia, o
noivo contou que ia a um lugar – e ela pegou o táxi para confirmar o endereço.
O “dito cujo”, é claro, não estava no endereço informado, mas na casa de um
amigo na maior esbórnia.
Por estes dias, Floriano Vaz quer mais, mesmo, é trabalhar
sossegado, sem se arriscar nem viver aventuras muito extravagantes. As corridas
são escolhidas a dedo, para evitar sustos. “Não quero ficar passando por
apuros”, sintetiza, demonstrando, com essas palavras, a que ponto chegou a
situação da segurança em nosso país.
O caso do cadeirante assaltante e de seu assistente indígena - A história parece mentira, mas seu protagonista garante que a
viveu sem tirar nem acrescentar nenhum detalhe. Odilino Messias da Silva,
taxista há trinta anos, foi assaltado por um cadeirante – que tinha como
comparsa um índio. Nada, evidentemente, contra a capacidade que essas pessoas
têm de fazer qualquer coisa (para o bem e, infelizmente, também para o mal),
mas a configuração não deixa de ser curiosa.
A história aconteceu há dezoito anos. Tudo começou com um chamado
para uma corrida saindo da Praça Dezenove de Dezembro, no Centro de Curitiba. A
proposta era de ir para Almirante Tamandaré, município da Região Metropolitana.
Os clientes eram pessoas acima de qualquer suspeita: um jovem cadeirante e seu
acompanhante, ambos bem vestidos e educados.
A corrida ia bem até que o grupo chegou ao Terminal do Cachoeira,
em Almirante Tamandaré, quando os passageiros deram voz de assalto. “O
cadeirante encostou um revólver na minha cabeça e disse que queria o dinheiro e
o carro”, conta. “O outro me segurou pelo pescoço e disse que era para o
comparsa atirar.” Em meio à “muvuca”, Odilino conseguiu se livrar e correu de
costas (ou seja, de frente para o carro) para não tomar bala à traição. Chegou
a um módulo policial e noticiou o assalto.
Os bandidos, trapalhões, não conseguiam ligar o carro. “Tentavam
engatar a marcha, mas não tinha jeito”, explica o taxista. Frustrados, saíram
correndo e se esconderam em um terreno baldio, onde foram localizados e presos.
Aliás, presos, em termos: o cadeirante era menor de idade e seu acompanhante
tinha a proteção da Funai. Ficaram três dias “em cana” e foram liberados. Fim
da história – de uma curiosa história de taxista.
A saga de um taxista e de um bebê que não era
seu - “Carlinhos” é taxista de
um ponto na Cruz Machado, a rua “mais quente” do Centro de Curitiba. Há coisa
de um ano, ele recebeu o chamado de uma mãe e seu bebê. A corrida tinha como destino
Almirante Tamandaré. Eles chegaram lá e, discretamente, ela “esqueceu” o bebê
no banco de trás. Alertada, observou, apenas e tão somente, que não tinha como
criá-lo - e deu no pé.
Com o bebê no táxi, Carlinhos foi à delegacia de polícia; os
policiais disseram que não tinham como ficar com o bebê, e o aconselharam a
levar a criança para uma unidade de saúde 24 horas no Sítio Cercado, onde ela
foi acolhida. A última notícia é de que ainda estava lá – a mãe, pelo jeito,
ainda não tem condições de mantê-lo...
Voltando ao ponto da Cruz Machado, o taxista fala de sua rotina
junto às boates mais movimentadas da cidade. É esse movimento, aliás, que o fez
trabalhar lá. “Eu gosto dessa agitação”, confidencia. Sobre os eventuais riscos
associados ao lugar, diz não ter medo. “Estou em casa. Trabalho aqui há muitos
anos e conheço todo mundo.”
O segredo do sucesso na região é respeitar as diferenças. Qualquer
tipo de preconceito, afinal, pode induzir a erros de julgamento. Questionado
sobre cantadas, ele diz que as recebe constantemente. “São pessoas de todos os
sexos que não têm dinheiro ou não querem pagar pela corrida e propõem um
‘acerto’.” Lógica simples - de um serviço pelo outro.